O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

sábado, 22 de agosto de 2015

SAIU MEU LIVRO !!!




SAIU MEU LIVRO!

No filme Amistad, de 1997, dirigido por Steven Spielberg, o personagem de Antony Hopkins, um advogado aposentado, diz para o personagem interpretado por Morgan Freeman que, nos tribunais - especialmente no Júri - ganha o lado que conta a melhor ‘história’. É disso que meu livro fala.
A Verdade dos Autos versus a Verdade Real na Justiça Criminal: a influência da linguagem para a decisão no processo criminal”. 257 páginas. Publicado pela editora alemã Novas Edições Acadêmicas, uma marca da OmniScriptum GmbH & Co.KG, foi registrado na Alemanha sob o ISBN n° 978-613-0-16313-6.
Fruto da dissertação de mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento (PUC-GO), concluída em 2013, o livro se vale de conceitos e referências do Direito, História, Linguística,  Psicologia, Análise do Discurso, etc., para questionar a fidelidade aos acontecimentos e a eficiência do que é apresentado por escrito ao juiz para subsidiar seu julgamento.
O problema é que o juiz não presenciou o acontecimento, só tem acesso ao que contam sobre ele no processo. A Defesa diz uma coisa, a acusação diz outra. Testemunhas dizem um milhão de coisas, dependendo do lado para o qual pendem. E tudo que é dito é passado a escrito, com as limitações, maneirismos e estilo do  escrivão que colhe as declarações, ou do delegado que dita, ou no do promotor, etc.
No fim, é como se uma história fosse contada a várias mãos, que estão divididas pelo menos em dois lados, um pela condenação, outro pela absolvição.
Quando um escritor escreve um texto, ‘linearzinho’, bem pensado e construído, ainda assim é difícil conseguir uma boa coesão e coerência. Imagine o que é conseguir isso numa colcha de retalhos, no verdadeiro Frankenstein, que é a pilha de papéis de um processo. No fim, grosso modo, o juiz vai pender para o lado que conseguir contar a história mais bem contada. E as histórias podem ser contadas de várias formas:
Na página 62 do livro podemos ler um texto enviado pelo cientista político Cyro Junqueira ao jornalista Chico Dias, que serve para ilustrar a tese de que nem sempre a história divulgada corresponde àquela de fato ocorrida:

Judy Wallman é uma pesquisadora na área de genealogia nos Estados Unidos. Durante pesquisa da árvore genealógica de sua família deu de cara com uma informação interessante. Um tio-bisavô, Remus Reid, era ladrão de cavalos e assaltante de trens. No verso da única foto existente de Remus (em que ele aparece ao pé de uma forca) está escrito: “Remus Reid, ladrão de cavalos, mandado para a Prisão Territorial de Montana em 1885, escapou em 1887, assaltou o trem Montana Flyer por seis vezes. Foi preso novamente, desta vez pelos agentes da Pinkerton, condenado e enforcado em 1889.”
Acontece que o ladrão Remus Reid é ancestral comum de Judy e do senador pelo estado de Nevada, Harry Reid. Então Judy enviou um e-mail ao senador solicitando informações sobre o parente comum. Mas não mencionou que havia descoberto que o sujeito era um bandido.
A atenta assessoria do Senador respondeu desta forma: “Remus Reid foi um famoso cowboy no Território de Montana. Seu império de negócios cresceu a ponto de incluir a aquisição de valiosos ativos eqüestres, além de um íntimo relacionamento com a Ferrovia de Montana. A partir de 1883 dedicou vários anos de sua vida a serviço do governo, atividade que interrompeu para reiniciar seu relacionamento com a Ferrovia. Em 1887 foi o principal protagonista em uma importante investigação conduzida pela famosa Agência de Detetives Pinkerton. Em 1889, Remus faleceu durante uma importante cerimônia cívica realizada em sua homenagem, quando a plataforma sobre a qual ele estava cedeu.” (DIAS, 2010, p. 1).

Esse é um exemplo tragicômico de como os discursos de verdade podem ser manipulados e interpretados conforme as conveniências.
Na página 135 do livro cito o professor Michael Sandel, da Harvard Law School, que transcreve parte de uma discussão no interrogatório do ex-presidente Bill Clinton, quando foi acusado de manter relações sexuais com sua estagiária Monica Lewinsky.  Um congressista republicano debatia com o advogado de Clinton, Gregory Craig:

SENADOR REPUBLICANO BOB INGLIS: Dr. Craig, ele mentiu para o povo americano quando disse: “Eu nunca tive relações sexuais com aquela mulher?” Ele mentiu?
[...]
CRAIG: Ele não acredita que tenha mentido devido à forma como... Deixe-me explicar que... Deixe que eu explique, senhor senador.
IGLIS: Ele acha que não mentiu?
CRAIG: Não, ele acha que não mentiu porque sua concepção de sexo é a definição que consta no dicionário. O senhor pode até não concordar, mas, no entender dele, a definição não era...
[...]
IGLIS: Porque agora o senhor voltou à argumentação... Existem vários argumentos que podem ser usados aqui. Um deles é o de que ele não teve relações sexuais com ela. Foi sexo oral, não foi sexo de verdade. É isso que o senhor está aqui para nos dizer hoje? Que ele não teve relações sexuais com Monica Lewinsky?
CRAIG: O que ele disse ao povo americano foi que ele não teve relações sexuais. E compreendo que o senhor não goste disso, senador, porque... o senhor vai considerar essa resposta uma defesa técnica ou uma resposta capciosa, evasiva. Mas a relação sexual é definida em todos os dicionários de determinada maneira, e ele não teve esse tipo de contato com Monica Lewinsky [...]. (SANDEL, 2011, p. 168-169).

O exemplo demonstra perfeitamente. Bill Clinton não disse toda a verdade, mas também não mentiu. Utilizou a evasiva, um jogo de dissimulação.
Uma possível lenda urbana, apresentada (na página 49) como uma "história real e que ganhou o primeiro lugar no Criminal Lawyers Award Contest”, atribuída a autor anônimo, relata um caso interessante, que destaca a dialética que envolve os dois lados envolvidos em um processo judicial, e como o “jogo” processual pode ser manietado pelo “jogador” mais preparado ou mais “esperto”:

Um advogado de Charlotte, NC, comprou uma caixa de charutos muito raros e muito caros. Tão raros e caros que colocou-os no seguro contra fogo, entre outras coisas. Depois de um mês, tendo fumado todos eles e ainda sem ter terminado de pagar o seguro, o advogado entrou com um registro de sinistro contra a companhia de seguros. Nesse registro, o advogado alegou que os charutos "haviam sido perdidos em uma série de pequenos incêndios".
A companhia de seguros recusou-se a pagar, citando o motivo óbvio: que o homem havia consumido seus charutos da maneira usual. O advogado processou a companhia... E GANHOU.
Ao proferir a sentença, o juiz concordou com a companhia de seguros que a ação era frívola. Apesar disso, o juiz alegou que o advogado "tinha posse de uma apólice da companhia na qual ela garantia que os charutos eram seguráveis e, também, que eles estavam segurados contra o fogo, sem definir o que seria fogo aceitável ou inaceitável" e que, portanto, ela estava obrigada a pagar o seguro.
Em vez de entrar no longo e custoso processo de apelação, a companhia aceitou a sentença e pagou U$15.000 dólares ao advogado, pela perda de seus charutos raros nos incêndios.
AGORA A MELHOR PARTE :
Depois que o advogado embolsou o cheque, a companhia de seguros o denunciou, e fez com que ele fosse preso, por 24 incêndios criminosos! Usando seu próprio registro de sinistro e seu testemunho do caso anterior contra ele, o advogado foi condenado por incendiar intencionalmente propriedade segurada e foi sentenciado a 24 meses de prisão, além de uma multa de US$24.000.
Moral da história: Do outro lado também tinha um advogado. Melhor e mais esperto! (PUFFUN.COM, 2012, p.1).

Como bem consignaram Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo, na música Verdadeira Embolada,

[...]
Na realidade
Pouca verdade
Tem no cordel da história
No meio da linha
Quem escrevinha
Muda o que lhe convém
[...].
(HOLANDA, LOBO, 1985).

Cada construtor da história processual procura manipular as palavras de forma a modelar uma versão dos fatos que seja útil ao seu lado.
William Diehl transcreve, na obra Primal fear, um diálogo (página 106 do livro) que ilustra bem o fato de, no caso o advogado, utilizar a verdade (versão) conveniente para defender seu cliente:

Advogado – O sistema judicial não quer saber se o réu é culpado ou inocente. Eu também não. Todo réu, independentemente do que fez, merece a melhor defesa que possa ter.
Interlocutor – O que acha da verdade?
Advogado – Verdade? Que tipo de verdade?
Interlocutor – Não sei quantas verdades há. Não acha que só há uma? Qual é a correta?
Advogado – Só há uma verdade. A minha versão. Aquela que crio nas mentes dos doze indivíduos do júri. Se quiser, pode chamar isso de “ilusão da verdade” (CHALITA, 2004, pp. 3-4).

A opinião pública abraça a versão mais espetacular e comovente que lhe é apresentada. Há quem saiba criar histórias especialmente convincentes nesse sentido. A colunista da revista Época, Ruth de Aquino, trouxe a público um exemplo extremo da influência da mídia, das memes, dos boatos e mentiras sobre o senso comum (página 182 do livro):

O professor de geografia, radialista e humorista Fábio Flores, capixaba de 39 anos, é um criador de notícias falsas ou, na definição dele, “fantasiosas”. A repercussão nacional e internacional de suas histórias é tão ampla que Fábio pensa em transformar sua experiência numa tese de mestrado sobre o “jornalismo mentira”. Ele publica casos com nome, sobrenome, idade, profissão, detalhes como “o quê, quando, como e por quê” em blogs e sites que fazem referência a seu humor no rodapé.
Os casos de Fábio são um 1º de abril eterno. Ganham legitimidade com a palavra de especialistas, debates em televisão e em universidades, projetos de lei, aulas de Direito e reportagens na mídia impressa e virtual no Brasil, Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Ele nunca reclama a autoria. Não quer deter o curso de sua ficção. Seu interesse é outro: analisar até onde voam seus personagens – algo que ele chama de “capilaridade”. Os assuntos com “maior capilaridade na rede”, segundo ele, são, pela ordem, “sexo, leis e religião”. [sem negrito no original]. (AQUINO, 2012, p.1).

O mais interessante é que o autor das falsas histórias atinge não apenas “o homem médio” – a quem cabe melhor o conceito de “senso comum”, mas especialistas nacionais e internacionais.
Então, alguém duvida que muito do que é dito a respeito do que quer que seja, e de quem quer que seja, possa ser pura invenção, conjectura ou maldade mesmo? E que isso pode ser feito de forma bem persuasiva?
No caso do processo, defendo no livro que um  julgamento é uma encenação de consequências reais, baseada em um roteiro falho, mas de aparência lógica, porém, nem sempre com correspondência fiel ao acontecido e com resultado estritamente justo.
Rodell (1939), levando ao extremo sua censura ao cânone processual, desacreditando-o, afirmou (página 192 do livro), no Prefácio de seu livro Woe Unto You, Lawyers! :

Na faculdade de direito eu tive sorte. Ten of the men under whom I took courses were Dez dos homens com quem eu fiz cursos foramsufficiently skeptical and common-sensible about the branches of law they were teaching suficientemente cépticos e razoavelmente sensíveis sobre os ramos do direito que eles estavam ensinando so that, unwittingly of course, they served together to fortify my hunch about the phoninessde modo que, sem querer, é claro, eles serviram para fortalecer o meu palpite sobre a falsidadeof the whole legal process. de todo o processo legal.” [tradução livre e sem negrito no original]. (RODELL, 1939, p. 3).

No blog “Una Voz en el Camino”, um post assinado por “Orientador” apresenta a seguinte situação e comentário:

Hipoteticamente, a verdade ‘real’ e a jurídica às vezes não coincidem; por circunstâncias difíceis de comprovar. Imaginemos o insólito caso de uma pessoa que chegue ao escritório de um amigo, e encontra seu corpo estirado no tapete, com uma faca enterrada no peito; o homem ao ver seu amigo neste estado se lança sobre o corpo, lhe escuta para ver se ainda está com vida, e impulsivamente pega a faca com as mãos e a puxa, tirando-a do corpo sem vida. Nesse instante entra um irmão do homem que jaz no tapete. Você pode completar a história. Existe neste caso a verdade do amigo que quis fazer algo a favor da vítima, e uma verdade do irmão. Em um julgamento sobre este caso, você já pode imaginar qual será a verdade jurídica. [tradução livre]. (ORIENTADOR, 2008, p.1).

A citação (página 201 do livro) sintetiza a inquietude motriz da pesquisa que se levou a cabo: não há uma verdade apresentada nos autos, mas versões conflitantes. Então, o que é julgado no processo é a “verdade” melhor contada e com provas mais robustas (ainda que nem sempre perfeitas) a lhe confirmar, o que pode gerar – e gera – muitas injustiças.


O livro trata muito mais profundamente do tema, estudando todos os atores ativos do processo: defensores, acusadores, julgadores, testemunhas, o autor e a vítima, escrivães, delegados, etc., e o que podem fazer pelo resultado final do julgamento. Espero que gostem.
Por fim, como disse FEYERABEND,  “Devemos confiar apenas provisoriamente no que quer que aceitemos.” (Feyerabend apud Coracini, 1991, p. 23).

O livro está disponível para compra no site da Amazon: www.amazon.com. É só digitar o nome Juliano Barreto Rodrigues.


REFERÊNCIAS

AQUINO, Ruth de. Sexo, mentiras e internet. Revista Época. Atualizado em 05/10/2012. Acessado em 25/11/2012. Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/ruth-de-aquino/noticia/2012/10/sexo-mentiras-e-internet.html>

CHALITA, Gabriel. A sedução no discurso : o poder da linguagem nos tribunais do júri. – 2. ed. Revista – São Paulo : Saraiva, 2004.

CORACINI, Maria José Rodrigues Faria. Um fazer persuasivo : o discurso subjetivo da ciência. – 1. ed. – São Paulo : Educ; Campinas, SP : Pontes, 1991. 216 p.

DIAS, Chico. Fala Sério!. Blog do jornalista Chico Dias. Como limpar uma ficha suja. 2010. Acessado em 02 ago. 2011. Disponível em: http://chicodias.wordpress.com/2010/07/30/como-limpar-uma-ficha-suja/

HOLANDA, Chico Buarque de. LOBO, Edu. Verdadeira embolada.
1985. Para a peça O corsário do rei, de Augusto Boal 1986 © - Marola Edições Musicais Ltda.

ORIENTADOR. Roxana Vargas: La verdad Juridica. Blog Una Voz en el Camino. 2008. Acessado em 06 dec. 2012. Disponível em: <http://orientador.wordpress.com/2008/08/04/roxana-vargas-la-verdad-juridica/>

PIRANDELLO, Luigi. Assim É (Se Lhe Parece). São Paulo : Editora Tordesilhas. 2011. 200 p.

PUFFUN.COM. Criminal Lawyers Award. Acessado em 25 nov. 2012. Disponível em: <http://www.naute.com/stories/cigars.php>

RODELL, Fred. Woe Unto You, Lawyers! Yale University : 1939. Disponível em:
<http://constitution.org/lrev/rodell/woe_unto_you_lawyers.htm> Acessado em 12 dez. 2012.

SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 349 p.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015




MINHA REVOLTA


                                 Wanda Barreto Rodrigues


Ouvindo o som da noite
permaneço.

Me encendeio,
me apago.

Vagalume do tempo.
Luz e escuridão,
escuridão e luz.

Olhos sonolentos,
corpo cansado,
me enterneço.

Não me afasto.
Sem pensar
fico e observo.
Uau!

Em que parte do tempo
me perdi?
Anos se passaram,
não percebi.

Estou velha
e não vi.
Onde me perdi?

Vejo varizes...
rugas...
pele flácida...
Onde me perdi?

Olho abismada.
Onde ficou
a juventude,
a energia?

Emergi do marasmo,
caí no tempo real,
sou idosa.

Em que parte eu parei?
Nos 30, nos 40?
Que venda infame
e caridosa tive,
que não me vi?

Cabelos brancos
cobertos por tinturas,
membros nodosos,
só agora vistos.

Catarata, falhas de memória,
onde me perdi?

Na realidade cruel
me desfaço

Quero fechar meus olhos,
dormir.
Mais tarde acordar,
trazer de volta a ilusão que perdi.

Ah! Como é bom
não ver,
não sentir,
só sonhar.

Tenho 20, tenho 30,
tenho sessenta,
não importa.
Quero a ilusão de volta,
doce... mentirosa...
piedosa!

Amanhã já esqueci que sou idosa.
Somente sentirei
que estou viva... maravilhosa.

Sei que o cansaço é preguiça.
Rugas... genes ruins.
Varizes... são arvorezinhas
me enfeitando.
O resto,
é só resto.
Quero a ilusão de volta,
escandalosa e ofuscante.

Quero brilhos,
paetês.
Sons, muitos sons.
Quero a ilusão de volta.

Espero,
fico,
permaneço... ela volta.



quinta-feira, 13 de agosto de 2015



A pessoa é o que tem?

Juliano Barreto Rodrigues.

Olhando em volta enquanto procurava uma ideia sobre o que escrever, fiquei reparando o mobiliário e me lembrei de um livro chamado Viagem à Roda do Meu Quarto. O autor, Xavier de Maistre, fez um exercício que (acredito) todos já fizeram algumas vezes: olhou sossegadamente para as coisas ao seu redor e puxou na memória o momento em que passaram a integrar suas pertenças, de onde vieram, como foram usadas em tempos memoráveis, o que lhes causou um sinal, ou mancha, ou marca, o que representam intima e socialmente e que sensações causam.
As pessoas têm uma interação estranha com os objetos. Alguns falam por si, como os artísticos, por exemplo. Outros, só se exprimem pelo uso. Numa analogia, essa oposição me faz lembrar a diferença entre as pessoas cultivadas e as mecânicas (no sentido metafísico empregado por Alain-Rene LeSage, no livro História de Gil Blas de Santillana). Talvez, os seres inanimados sejam tão representativos quanto nós.
É mágica a forma como o ser se desborda em suas coisas, seja no que veste, na casa que habita, no que coleciona, nos móveis que compra, nas lembrancinhas que guarda... Um Sherlock Homes poderia destrinchar as ocupações, hábitos, manias e tendências de qualquer um, se tivesse acesso a seu santuário completo. O indivíduo não se restringe ao que é in nude – o que também não é estático e livre de interferentes –  é, além disso, o que tem, com o que se relaciona e se utiliza para externalizar seu ego.
Então, os objetos têm vida. Não no sentido fisiológico, logicamente, mas num sentido mais amplo, histórico. A consciência dessa “vida” existe na observação atenta de seu usuário, revelando assim uma relação de dependência entre o material e o imaterial. Mas isso é uma discussão filosófica para outra hora. Assim, deixemos de lado o que não é essencial.
Aproveitando a ideia de outra peça formidável, o livro História do Mundo em 100 Objetos, do historiador Neil McGregor, poderia ser bem interessante realizar biografias a partir do que os biografados têm. Pessoalmente, imagino que podemos falar indefinidamente da gente usando esse artifício, e creio que assim é possível ampliar em muito a consciência da nossa interação com o que nos cerca e do quanto exorbitamos de nós mesmos no que possuímos.
Voltando ao assunto dos indivíduos cultivados e dos mecânicos, é justamente a capacidade de abstrair, de pensar o fazer e o ser, uma das principais habilidades que diferenciam uns e outros. Os mecânicos são seres práticos, que realizam as coisas quase automaticamente, sem crítica, autocrítica ou criatividade mais sofisticada. Seu contraponto é formado por quem estabelece raciocínios mais elaborados sobre o que vê, sente ou faz, que procura razões, melhores formas de fazer, sentidos mais profundos.
Exercícios contemplativos como o que sugeri seriam bem interessantes para uns, mas não para outros. Isso não significa que os mecânicos sejam pessoas menos essenciais à sociedade do que os cultivados. O panegírico a estes seria injusto em relação àqueles. Até porque, é bem mais fácil qualificar quem quer que seja como mecânico do que atribuir a alguém o epíteto de culto. Cultura é algo tão relativo...
Dos utensílios que tenho, os que mais valorizo e com os quais mais me identifico são os meus livros. Dizem tudo sobre minhas preferências e anseios. Lembrei-me de uma obra infanto-juvenil, que li ainda criança, e que marcou minha trajetória de vida: Os Três Irmãos, de Vicente Guimarães. Tendo-o perdido em algum momento da pré-adolescência, tive que reencontrá-lo em um sebo e relê-lo, já adulto. Fala de três irmãos que, podendo escolher entre a riqueza, a força ou a inteligência optam, cada um por uma delas, e o destino deles é descrito na história.
Me identifiquei com a personagem que escolheu a inteligência, recebendo um enorme calhamaço encadernado em que poderia aprender sobre todas as coisas do mundo. E, desde então, vivo a eterna fome de conhecer - que me move, me cerca de textos, filmes e sons, e ocupa meus dias.
Cultos ou incultos, práticos ou teóricos, somos um tanto da matéria que nos cerca. Da forma que com ela lidamos é possível avaliar como tratamos a nós mesmos. Influímos nas coisas e, da mesma forma, somos por elas inspirados ou oprimidos.
De posse dessa consciência, passei a tentar moderar meus apetites super-consumistas, a escolher mais cuidadosamente minhas aquisições e a encarregar-me melhor delas. A organização, a limpeza, a posse do essencial me tornaram mais focado, mais ágil, mais arrumado e feliz. Além disso, fui presenteado com um belo efeito colateral: me sinto, e até pareço, mais inteligente.

“Conhece-te a ti mesmo”! Recomendo a experiência socrática a partir da contemplação do que está a sua volta.


Alienígenas Invadem a Capital do Estado



ALIENÍGENAS INVADEM CAPITAL DO ESTADO
        
Juliano Barreto Rodrigues.

Há uns vinte dias um colega de serviço disse que não tinha dormido direito porque havia sonhado que extraterrestres tentavam implantar um chip em sua cabeça. O sonho fora bem real, motivo pelo qual, ao acordar impressionado no meio da noite, não conseguiu mais pegar no sono.
Querendo me divertir, falei que talvez a experiência tivesse sido real e ele poderia estar realmente com um chip em seu cérebro. Sugestionado, me olhou com uma expressão de dúvida e perguntou: “Será? Vai que estou mesmo?!” Ficou encafifado com isso o dia todo.
A brincadeira me fez pensar na profusão de ideias aparentemente absurdas que pululam nas mentes das pessoas, apesar dos tantos séculos de evolução da humanidade. Ilusão pensar que a era dos mitos acabou. Continuamos inventando explicações mirabolantes para o que não entendemos e criando “realidades” improváveis. Há o sem-número de mitos religiosos, também os pseudo-científicos (do tipo homeopatia, hipnose de regressão a vidas passadas, etc. - que ainda não foram provados pela ciência), e as simples associações supersticiosas que nos fazem interpretar fatos objetivos sob um prisma bem subjetivo.
Não estou dizendo que há algo de errado nos mitos, pelo contrário: são muito saudáveis e necessários, desde que considerados como tal. Nós humanos precisamos de explicação e razão para as coisas – qualquer razão – porque é da nossa essência a dependência de respostas.
Voltemos aos E.T.’s. Coincidentemente, um boato lançou uma nova teoria da conspiração na capital goiana. Os noticiários locais passaram a veicular que várias pessoas teriam tido contatos com seres de outros planetas, tendo algumas desaparecido por até três dias e ressurgido atordoadas. Cogitou-se que uma invasão estaria sendo preparada e que muitos invasores já andavam disfarçados entre nós, ou pior, dentro de nós.
Pânico geral e notícia para mais de mês. Me posicionei com os céticos, mas confesso que vez ou outra, observando algumas pessoas, desconfiei de algum comportamento 'típico de abduzido'. Alguém de meu círculo chegou a me dizer com cara de sabichão: “No creo en ETs, pero que los hay, los hay”. Percebi que, apesar de crescido, ainda tenho presente em mim parte daquela imaginação de criança. Mas confiei (desconfiando) nas minhas convicções e esperei para ver. 
Comecei a questionar essa mania de chip’s. Há uma corrente espírita que afirma que seres do outro mundo se utilizam dessa tecnologia para, implantando-a nos seres viventes, os influenciar positiva ou negativamente. Esse método se chocou com meu arquétipo de seres de além-mundo. Eles, que atuam fluidicamente, estariam utilizando um meio muito atrasado para induzir-nos. A mesma tese argumentei na defesa dos E.T.’s. Me rebateram com MIB, Contatos Imediatos do 3° Grau e até Jornada nas Estrelas (?)
Aspirante a intelectual que sou, logicamente me neguei a acreditar naquilo, mas coloquei em cheque algumas de minhas crenças. Aquelas velhas perguntas que acometem todo mundo me visitaram: Como você acredita em Deus mesmo sem nunca tê-lo visto? Com o tamanho do universo não seria absurdo, e muita pretensão, achar que só há vida na Terra? Apesar de não enxergar as ondas de rádio e a radioatividade elas não existem? Tais questões serviram para me por no meu lugar, me lembrando que só sei que nada sei.
Percebi que somos todos feitos de pré-conceitos, julgamentos apressados e modelos prontos que abraçamos para nos posicionar no degrau do estrado social que acreditamos merecer. 
E o que foi feito da invasão?
A Copa do Mundo arrefeceu os ânimos e poucos ainda falam dos extraterrestres. Eu sou um deles. Ainda procuro pelas testemunhas. Como disse Charles Mackay em 1841, no livro Ilusões Populares e a Loucura das Massas, “As pessoas enlouquecem em manada, mas só recuperam o juizo lentamente, uma por uma.”
Apesar de não ter visto nenhum ser de outro planeta, passei a me dar o benefício da dúvida. Ou será que também me implataram um microchip?



segunda-feira, 3 de agosto de 2015



ENZO

                                                   Wanda B. Rodrigues

Na madrugada fria
penso em você, pequeno ser

Carinha chorosa...
às vezes calmo e tranquilo
no sono
talvez no sonho

Seus olhinhos curiosos
num mundo de luz
de sons
tudo estranho...

Preenche o tempo
entre mamadas
nervosas, irrequietas
gulosas

Permanece presente
no tempo
na vida
no pensamento

Suga o peito
a mamadeira
o sentimento
o nosso amor
para sempre

Tão pequeno
poderoso
Emite sons
ruídos em ouvidos atentos
Reina

Soberano na sua pequenez
Rei na sua graça
sábio na inocência

Ocupa braços
abraços
espaços

És imenso em muitas vidas
cresce no amor
na atenção

Você, meu pequeno,
absorve e absolve
todos os sentimentos
Elo tangível
de muitas vidas

Você Enzo
Para sempre

Vovó