O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A DESDITA DA MORTE (não deve ser lido em voz alta)

                              Juliano Barreto Rodrigues





La Muerte, apesar de não ser querida por quase ninguém, era soberba e arrogante. Se sentia rica e cheia de si em virtude do grande poder que detinha. Um dia pretendeu o que a tornaria uma deusa: o poder da vida! Decidiu ter um filho.

Recolheu as partes mais benfeitas dos defuntos novos que apressava e construiu um belo ser.

Contrariando as leis originárias tirou o sopro de vida que animava um garoto e infundiu em sua cria. Deu certo! O filho da morte viveu pródiga e desmedidamente, garantido por sua criadora de que viveria para sempre, já que só a ela era permitido tirar a vida ao que quer que fosse, coisa que jamais faria ao seu menino.

Um dia foi surpreendida por uma armadilha da divindade dos caminhos e teve sua foice roubada pelo senhor do destino, que rapidamente a usou contra seu rebento, restabelecendo o equilíbrio da existência.

Sentiu-se destroçada, cada osso doendo insuportavelmente, já que não tinha coração. Chorou miasmas e pó. Antes desdenhosa, despiu-se de todo glamour e esfarrapou-se. Perdeu o charme de outrora e quis imensamente morrer.

Amargou o fardo do seu poder e percebeu o paradoxo de sua posição quando passou a invejar todas as suas vítimas por terem algo que ela não podia ter para si: a morte!

Percebeu que, apesar de levar o nome, não era - ela própria - a realidade da morte como acreditava,  e nem sequer sua dona, mas mera portadora.

La Muerte - nem viva nem morta e escrava de seu trabalho. Eis sua pobre condição.


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ESTUPEFAÇÃO (Microconto)






                                                 Juliano Barreto Rodrigues
Não se podia dizer.
Não porque fosse proibido,
Mas porque faltavam palavras.

Não se podia dizer. 
Não porque fosse proibido, 
Mas porque faltasse palavra.


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Consoada deturpada



Há poetas e poemas que são irretocáveis. Assim são "Consoada", de Manuel Bandeira, "Amor Eterno", de Gustavo Adolfo Bécquer e "Despertáculo", de Pio Vargas. Também o "Fausto", de Goethe, mas nesse caso parece que o diluente é muito e dissolve o princípio ativo demais (é excessivamente longo).
Inspirado na "Consoada" surgiu minha "Consoada deturpada". Incriada, surgiu pronta, da alma, como se psicografada (rsrsrs). Veja primeiro o poema de Manuel Bandeira e depois o meu:


Consoada
                                    Manuel Bandeira

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.





Consoada deturpada
                                
                                        Juliano Barreto Rodrigues.

Quando a Indesejada das gentes chegar
Que venha ‘tsunâmica’,
Bruta e apressadíssima,
Quase sem tempo para mim.
Talvez, ironicamente eu sorria,
Mas espero não ter tempo de dizer nada.
Não sei se a casa estará limpa
Ou a mesa posta.
Mas, com certeza,
Já estarei quase passando de pronto.