O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 11 de julho de 2016



TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO.


                                               Juliano Barreto Rodrigues


Um minutinho só...” é muuuito tempo para quem briga por segundos. Não dá para perder por pouca coisa. Quando me param para algum assunto com o argumento de que “é rapidinho”, fica difícil esconder minha incredulidade e descontentamento. Vivo correndo, faço tudo turbilhonando, bem ao gosto do mainstream Y generation. Só que sou da transição, tenho um pé lá na rua de terra batida, na época do telefone de ficha, da conversa atoa com os vizinhos no portão. E, conforme Cioran (embora em contexto diferente daquele em que ele falou): “Todos somos perseguidos por nossas origens”.

O ritmo das pessoas é diferente. Conversar com quem está aposentado e tem o dia todo para resolver as contingências é bem oposto a falar com o cara que divide o tempo entre o trabalho, a obrigação de levar as crianças ao colégio, o curso que tem para fazer, a atenção à esposa, o almoço, o jantar, e uns 40 minutos para fazer amor umas duas ou três vezes por semana.

Me ressinto com a falta de tempo. Anda difícil parar para ver a arquitetura da cidade, um por-de-sol fora do carro, degustar alguma coisa, deixar de representar o papel de “animal laborans”. Poder viver fazendo exclusivamente o que se gosta então? Nem se fala.

impossível entender o porquê de cada um não estar empenhado só no que deseja. Nós nos perguntamos: “E se ficar difícil se manter?” Como disse o filósofo, sempre dá, na pior das hipóteses, para morrer de fome.

Falando em fazer o que desejamos, lembrei de Fernando Pessoa sentenciando: “[...] Viver não é necessário; o que é necessário é criar. / Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. / Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha / de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. [...]”. Ele alegou querer tornar sua vida 'grande' para a humanidade, ainda que se dissolvesse para isso. Apesar de parecer altruísta, no fundo queria era viver total e egoisticamente seu desejo-paixão em criar.

Um círculo vicioso escraviza aqueles que sonham ser livres: é preciso dinheiro para gozar a vida e, para a maioria dos seres, isso demanda trabalho. Baudelaire, dandi, disse: “o dinheiro é indispensável às pessoas que fazem de suas paixões um culto”. Assim, a solução seria gostar de algo lucrativo. Mas paixão é paixão, e 'álea' está na sua essência.

Lamento porque está se perdendo o tempo da sutileza, das coisas bem-feitas no detalhe, à mão, com valor principalmente por serem únicas nas minúcias. Recordo-me de um artesão que tira dos blocos de barro os santos da devoção das gentes e os vende na porta de sua casa. São peças de uma fina combinação da mão da enxada com o requinte da cabeça do artista. Não negam a ascendência de nenhuma das duas: dá para sentir a força do tato matuto na anatomia das figuras, moldadas por mãos calejadas e dedos grossos e, ainda assim, também se vê as faces puras e delicadíssimas que parecem ter saído de mãos de rendeiras muito caprichosas.

Faz tempo que não sinto alguma sensação levezinha, como a brisa fria na ponta da orelha, um arrepio por uma boa lembrança, um sabor de comida da roça. Sou um homem do meu tempo “não vivo do passado, mas o passado vive em mim” (Paulinho da Viola), não dá para negar. Sou bem adaptado às tecnologias de agora, ao frenesi, aos excessos – inclusive de informação. Mas sofro de uma certa nostalgia e tenho saudades daquela […] aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!” (Casimiro de Abreu).

Então, quando me pedem “um minutinho só...”, sinto que lá se vai um daqueles momentos leves, de abstração, em que poderia estar captando algo de belo, mas terei que gastar tempo com a simples sobrevivência. Sou dependente da reflexão – coisa que não se faz com pressa -, não ajo no automático, gosto de ver sentido nas coisas, e dou valor às frivolidades. Por isso, viver devagar, segundo a segundo, me é tão precioso. Você consegue viver seu tempo?


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