O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 17 de outubro de 2016



JARDIM DAS DELÍCIAS


Juliano Barreto Rodrigues.


Te toca a pele deleitável
na arrogancial delicatesse
de quem toca a mais gostosa criação do paraíso:
dolce, macilenta, tenra, quente.

Encendeiam-se as piras colossais
nos baixos ventres alheios
consumindo almas totalmente embevecidas.

No teu centro, todo o jardim das delícias,
A perder em desatinos os descostelados,
A devorar fluidamente Adão.
Fecharam-lhe a porta do Eden?
Não! Abriu-se-lhe o paraíso em Eva.
Por isso, não mais tornou.




terça-feira, 4 de outubro de 2016

Munch. Melancolia.

 MEIO-DIA DA VIDA


Juliano Barreto Rodrigues


Neste meio-dia da vida, todo dia é igual: muita fome de tudo e um cansaço que só permite um cochilo. O tempo já não é tão impressionante como ao amanhecer, com suas cores e cheiros, nem meditativo e calmo como no fim de tarde. É quente, áspero, rápido, longe da partida e longe da chegada. As necessidades são imediatas e relativamente frugais: basta ficar saciado logo, sem muita preparação nem muita coisa para limpar depois.

O meio-dia da vida é meio chato: a energia é pela metade, a hora do descanso ainda demora, a excessiva claridade zenital revela os vincos na pele que as luzes oblíquas das outras horas disfarça, a preguiça é inevitável.

Falta romance, falta o pitoresco, o encanto. Se ri mas não se gargalha, se suspira mas não se geme alto. Não há brisa capaz de eriçar os pelos. Nada parece tão interessante. Se economiza intensidade.

Raio perpendicular a apontar o dedo bem no meio da cabeça do vivente. Até a sombra companheira se retrai escondida, não refresca nem quem está ao lado. Vendo de cima, o indivíduo vira apenas um ponto mínimo. É tempo do egoismo, da ilusão de auto-bastança, das relações mais fugazes, do beijo como mera formalidade a ser vencida rapidamente para se chegar ao principal.

12 horas. O relógio está com seus braços cruzados, expondo seu maior espaço. Lembra o ser fechado em si e, por isso mesmo, com a retaguarda totalmente vulnerável. É hora grande, se está descuidado o suficiente para arriscar por pouco. É instante de escolher, tendo os olhos ofuscados pelo mundaréu de luz, um dos caminhos da encruzilhada. Não se vê claramente onde cada um pode levar.

O meio dia da vida é meio chato. Por outro lado, agora as cores irradiam, explicitamente, ao máximo. São o que são, sem nuances externos. Dá para ficar nu sem sentir frio, mas é preciso cuidar para o que mostrar não seja feio.

Dá sede, dá sono, o presente balbucia em meio ao passado que ficou e o futuro que se espera. É como este escrito, paupérrimo de interjeições e riquíssimo em conjunções. Só se deseja chegar a algum lugar.

E tantos “se” correndo o texto? Não coincidentemente, são doze. Não é descuido de autor, é vontade de novas possibilidades, desejo de acelerar o coração.

O meio dia da vida não é mais importante por estar no meio. É meio chato, mas é só mais uma hora que passa.