O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017



IMPRESSÕES SOBRE O LIVRO

O RETRATO DE DORIAN GRAY


Juliano Barreto Rodrigues.


Oscar Wilde publicou o romance gótico-filosófico O Retrato de Dorian Gray, inicialmente em fascículos mensais na revista literária Lippincott's Monthly Magazine , no ano de 1890. 
 
Li O Retrato de Dorian Gray em PDF no smartphone, numa versão em espanhol. A base da história todo mundo conhece: o protagonista Dorian é pintado por alguém e, a partir daí, só seu retrato envelhece, ele não, o que gera consequências funestas para Dorian e os que com ele convivem. Parece simples, mas é claro que não é só isso e, pela gama de situações suscitadas, rendeu um romance que virou um clássico, inspirador de várias outras obras literárias e cinematográficas, com este personagem ou com tramas parecidas.

O tema é o desejo de viver eternamente e numa eterna juventude (semelhanças com os vampiros não são meras coincidências), sofrendo as consequências desse esquema antinatural, que parece mais castigar do que abençoar seus escolhidos. É o retrato narcísico absoluto, de quem quer perpetuar a beleza, sem jamais envelhecer nem morrer. É um tema atual em todos os tempos, o que faz da obra universal e atemporal.

Acredito que a maioria dos leitores tenha lido a obra em outra fase da vida, mais novos que eu, fase em que o proveito com o aprendizado, positivo ou negativo (o livro foi objeto de inúmeras críticas, considerado má influência) deve ter sido ainda maior. Embora seja um romance – pelo tamanho – prefiro pensar nele como uma novela – pela velocidade do enredo, a leveza do texto, o número restrito de personagens.

Embora Dorian seja o protagonista, Lord Henry (a quem Dorian chama de Harry) é muito mais interessante. Harry, assim como o próprio Dorian, é membro da aristocracia e frequenta os salões da corte. Ambos agem como personalidades à frente do seu tempo, mas são exatamente aquilo que se espera deles: extravagantes, cínicos, sem qualquer ocupação útil, bem ao estilo playboy dos nossos tempos. Mas Harry (prefiro falar assim, com intimidade) traz, em todas as suas conversas, uma filosofia hedonista e revolucionária bem interessante. Toca naquilo que comumente se classifica de futilidade como o que realmente importa na vida (por isso me identifico).

O outro personagem, Basil, pintor do retrato, é secundário. Além dele, de Dorian e de Harry, só uma moça a quem Dorian namorou tem importância maior na história. O narrador, onisciente em terceira pessoa, é a voz predominante e possui a qualidade de servir à trama, não se destacando. É possível ver as cenas, sentir os cheiros, gostos e emoções narrados. Há apenas alguns excessos nas descrições de joias, tapeçarias, etc., que tornam chatas umas poucas passagens do livro, mas têm sua importância como registro de época para historiadores e interessados nos assuntos de que tratam.

Considerei superficiais as incursões do narrador na psique dos personagens. Dada a natureza do tema, poderiam ter sido mais profundas e impactantes, valorizando os resultados das ações na alma dos envolvidos. Mas, talvez, o aprofundamento se desse em detrimento da fluidez do texto, então, respeito a escolha do autor. Afinal, o tema é tão bom que fala por si, ficou no imaginário coletivo, o criador conseguiu passar muito bem o recado.

É uma leitura agradável, para ser feita como faço: aos poucos, sem pressa, nada daquilo de “ler de uma sentada só”. É preciso saborear as conversas de Lord Henry, refutá-las ou adotá-las, se transformar com elas, bem como analisar criticamente as ações de Dorian. O certo é que, lendo atentamente, não se sai incólume do contato com este livro.

Ressinto-me do final do livro ser tão apressado. O texto vai indo em um ritmo e, mais ou menos nas últimas seis páginas, corre para a solução, que poderia ser mais trabalhada, mais lenta, mais valorizada.

Saio da leitura como se deve sair da degustação de um bom livro: marcado!



 

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